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Em 20 anos, 38 pessoas morrem em ataques, nas escolas brasileiras

Número inclui casal de namorados, mortos em ataques no dia 19 de junho, em uma escola no Paraná

 

Entre janeiro de 2002 e junho deste 2023, o Brasil registrou 32 ataques extremamente violentos dentro de escolas. Essas ações resultaram na morte de 27 estudantes (16 meninas e 11 meninos), além de quatro professoras, uma coordenadora, uma inspetora e seis atiradores, incluindo o responsável pelo último ataque; um rapaz de 21 anos, morto na cadeia, em circunstâncias a serem investigadas.

Os ataques, cada vez mais frequentes e violentos, preocupam a sociedade brasileira como um todo, mas principalmente pais de alunos e profissionais da educação, que estão na linha de frente, e por vezes, encaram os agressores frente a frente.

Para o professor Nélio Coelho, de 59 anos, que leciona em uma escola da rede estadual, no município de Sarapuí, “a violência, no ambiente escolar, é horrível e frustrante para qualquer pessoa da área da educação. É o contrário de tudo que se apregoa sobre o ambiente da escola; que deveria ser um lugar de acolhimento, de interação social, de crescimento através do conhecimento compartilhado; enfim, é um retrocesso tremendo. A violência abriu uma brecha no tecido social da escola. Ela apavora alunos e profissionais ligados ao ensino. Deixa todo mundo tenso. Eu imagino como deve estar a situação, nestas escolas que já tiveram casos desta barbárie. Como voltar ao normal?”, indaga o professor.

Ele avalia que “o problema é complexo e não depende de uma só solução. Ao meu ver, há várias causas que devem ser combatidas, a fim de obtermos algum sucesso, em médio prazo. Famílias desestruturadas, perda da autoridade dos pais no ambiente familiar, falta de conversas nos lares - que foram substituídas pelo uso de celulares, facilidade na aquisição de armas de fogo, bullying nas escolas e em outros ambientes: são apenas alguns dos vários prognósticos para as causas da violência, nas escolas”.

O professor ressalta que “cada causa deve ser combatida com séria solução, pontual por todos os envolvidos, com a participação do poder público municipal. Porém, acredita-se que algumas ações preventivas devem ser essenciais para diminuir essa violência, como um monitoramento de situações-problema, com o devido acompanhamento psicossocial, a fim de antever possíveis ações violentas da parte de alunos”. Também, admite-se ser essencial a criação de um ambiente acolhedor na escola, em que os alunos possam sintam-se seguros para se abrirem com os profissionais e resolverem as questões problemáticas. Outra opção é o aumento da segurança física, mesmo nas escolas. Sabe-se que o assunto, deve sim, ser abordado em sala de aula, com inteligência e bastante cuidado. Os alunos têm o direito de debater o assunto e ainda de propor soluções. Afinal, eles são os primeiros a sofrerem as terríveis agressões”.

Para Nélio Coelho, “o policiamento ostensivo em volta das escolas poderia também contribuir para tais casos. Todo aluno sabe que a segurança nas escolas públicas brasileiras, é precária. É bem fácil entrar em uma escola, hoje em dia. Acho que a presença da polícia nas escolas poderia inibir o ímpeto dos criminosos, uma vez que avaliariam a efetiva possibilidade de serem pegos ou até mesmo nem conseguirem adentrar armados no recinto escolar”.

Indagado se já presenciou algum caso de violência, na escola em que trabalha, o professor afirmou que “até hoje, só presenciei brigas entre alunos. Violência daquela natureza, graças a Deus, ainda não presenciei em meu ambiente de trabalho”

 

Agressividade cada vez maior

Lecionando para alunos de classes para Pré-Vestibular, em uma escola particular em Itapetininga, a professora Mariana Riedel Assayd, 67 anos, conta que “conversando com colegas, professores do fundamental I e II, estes sentem-se inseguros diante do comportamento cada vez mais agressivo de alguns alunos. Creio que é reflexo do contexto em que vivemos: ausência de afetividade familiar, excesso de liberdades e influência negativa de exposições pela da mídia, por exemplo”. Para a professora, “quanto mais o assunto vem à baila, mais desperta o interesse, incentivando comportamentos violentos”.

 

Tristeza

Para a professora Sandra Lencione, 40, que também atua em uma escola particular, em Itapetininga, o aumento da violência nas escolas é uma situação entristecedora, porém esperada, já que, na avaliação da profissional, o ser humano está mais intolerante e agressivo.

“Entristece-se muito ver o aumento da violência na escola. Mas se pensarmos que a escola é reflexo da sociedade, o aumento da violência é algo a se esperar, já que o ser humano está se tornando cada vez mais intolerante. Para mim, enquanto professora, é bastante difícil encarar essa situação. Os acontecimentos recentes no país fizeram com que alunos, pais e professores se sentissem inseguros no ambiente escolar, o que tira o foco do processo de aprendizagem e torna o tempo na escola mais estressante”, afirma Sandra.

Para ela, é essencial que haja “muita conversa” sobre este tema. “Não sei o que pode ser feito para garantir a segurança, nos estabelecimentos de ensino, além de muita conversa, discussão e debate dentro e fora das salas de aula. É importante que o ambiente escolar seja acolhedor para os alunos e que não haja julgamento, e sim, tolerância e respeito para com as diferenças individuais”. Ela observa que “algumas pessoas acreditam que a presença de policiais, nas escolas, pode inibir atos de violência. Eu acredito que a presença de policiais, nas escolas, torna o ambiente mais hostil e distancia a escola de seu propósito enquanto instituição”. Ela informou que nunca presenciou alguma situação de violência em seu ambiente de trabalho e explica: “Faço parte da minoria de professores que tem o privilégio de trabalhar apenas em escolas particulares”.

 

Pesquisa aborda a questão

Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) aponta que, entre outubro de 2022 e março de 2023 foram registrados 22 ataques a escolas, no país. Para efeito de comparação, entre janeiro de 2002 e junho último, ocorreram 32 ataques. A saber, em cinco meses, foram registrados quase tantos casos quanto em um período de 20 anos.

O levantamento da pesquisadora Michele Prado aponta que o cenário educacional pautado por violências afeta diretamente o ambiente escolar. Tais violências podem ser óbvias, ou camufladas, como atos de racismo, assédio, bullying e várias outras formas de discriminação. Embora haja um arcabouço legal, no Brasil, para inibir tais práticas, como no caso da Lei 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying), os relatos regulares de violência mostram que as medidas existentes não são suficientes para contê-los. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), de 2019, 23% dos estudantes afirmaram que se sentiram humilhados por provocações dos colegas duas ou mais vezes, nos 30 dias anteriores à pesquisa, sendo que os principais motivos foram: aparência do corpo (16,5%), aparência do rosto (11,6%) e cor ou raça (4,6%).

A mesma pesquisa indica que 12% dos estudantes afirmaram que praticaram algum tipo de bullying contra colegas e 10,6% envolveram-se em algum episódio de violência física (2,9% dos estudantes de 13 a 17 anos envolveram-se em briga, nos 30 dias anteriores à pesquisa, em que um dos envolvidos portava arma de fogo).

Além disso, o levantamento mostrou que a violência online é também realidade nos ambientes escolares: 13,2% dos estudantes responderam positivamente sobre sentirem-se ameaçados, ofendidos ou humilhados nas redes sociais ou aplicativos de celular, nos 30 dias anteriores à pesquisa.

E não para por aí. A PeNSE de 2019 também apontou que “14,6% dos escolares de 13 a 17 anos alguma vez na vida foram tocados, manipulados, beijados ou passaram por situações de exposição de partes do corpo, contra a sua vontade. As meninas foram as que mais reportaram este tipo de violência (20,1%). Tais dados revelam a urgência da questão e a importância de esforços públicos e privados para prevenir novos episódios de violência. Como não poderia deixar de ser, a prevenção passa pela educação, que deve abranger funcionários, professores, alunos, pais e mães e a comunidade em que a escola está inserida. É importante que todos os envolvidos no processo educacional estejam atentos aos sinais de alerta, bem como, implementem mecanismos para mitigar os riscos.

O Estado, que tem como obrigação legal proteger crianças, adolescentes e jovens, com absoluta prioridade, implementou novas medidas para tentar coibir a violência, no ambiente educacional. O Ministério da Educação (MEC) declarou, recentemente, e que a proteção ao ambiente escolar é uma das prioridades da pasta para os próximos anos e, desde então, inúmeras iniciativas estão sendo adotadas, como a criação de grupo de trabalho interministerial coordenado pelo MEC, elaboração de cartilha com recomendações para proteção e segurança no ambiente escolar, investimento de R$ 3,1 bilhões em políticas integradas, participação de debates e audiências públicas e ampla coordenação com estados e municípios para discussão do tema objetivando atitudes que realmente extirpem ao maus atos.

 

Esforços insuficientes

No entanto, os esforços públicos não são suficientes. É fundamental dar um passo mais adiante. E esse passo depende da adoção de um programa de integridade no ambiente escolar, como ferramenta educacional para prevenção da violência. Um programa de integridade permite que a escola implemente, com metodologia e processos, formas adicionais para identificar, prevenir e mitigar riscos relevantes, contribuindo para a existência de um ambiente escolar mais sadio. Um programa de integridade voltado ao ambiente escolar deve abranger pelo menos os elementos abaixo:

Mapeamento e análise de riscos. Um bom programa de integridade requer o mapeamento e análise dos riscos existentes à atividade. Não é diferente no ambiente escolar. É muito importante que as escolas analisem os riscos existentes em sua atividade, de forma holística, considerando o contexto em que estão inseridas. A título de exemplo, histórico de violência entre alunos, contexto socioeconômico, perfil dos professores, localização da unidade escolar, e até mesmo, possibilidades de fraudes devem ser consideradas na análise de risco.

Elaboração e disseminação de Código de Ética e Conduta. É imprescindível a elaboração de um Código de Ética e Conduta, direto, claro e objetivo, com linguagem acessível, endereçando os valores da escola, bem como as condutas esperadas (e as condutas não toleradas) de funcionários, professores, alunos e pais e mães. Contudo, não basta a criação do Código de Ética e Conduta: é necessário que ele seja difundido entre os membros da comunidade escolar, de maneira eficaz, por meio de comunicações orais e escritas, treinamentos periódicos e ações de conscientização constantes.

Controle de entrada e saída das dependências escolares. As regras de entrada e saída das dependências escolares são uma forma de evitar o ingresso de pessoas mal-intencionadas no meio dos alunos e professores. É importante que a escola analise a conveniência de estabelecer mecanismos de controle, tais como catracas, considerando-se as especificidades da escola. Além destes pontos, podem-se destacar a importância da criação de canais eficazes para que as pessoas possam denunciar caos de violência ou comportamento inadequado. Treinamento e educação para todos os envolvidos para identificar e prevenir situações de risco; implementar e disseminar políticas relevantes, bem como um sistema de gerenciamento de crise.

 

Iperó

Segundo o Departamento de Comunicação da Prefeitura, não há registro da ocorrência de ataques a escolas, no município. Entretanto, segundo Milena Ribeira, responsável pelo departamento, “os chamados ataques em massa, também conhecidos como massacres ou ataques a escolas, são uma modalidade de violência escolar cujos registros no país têm aumentado significativamente, nos últimos anos”. Diante dessa situação, a administração municipal criou, este ano, através de decreto, Comissão de Desenvolvimento do Plano de Segurança para as Instituições de Ensino da Rede Municipal.

De acordo com Milena, a comissão é composta, “dentre outros, por representantes da Polícia Militar, da Guarda Civil Municipal; da Secretaria de Governo; da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes; do Conselho Municipal de Educação; de diretores, professores e profissionais do quadro de apoio escolar; da coordenação dos projetos socioeducativos; do Conselho Tutelar; e do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo”.

Ainda de acordo com a prefeitura, o plano de segurança foi publicado no último mês de julho, e estabelece “medidas preventivas e de combate à violência, dentre as quais: campanhas de conscientização acerca da violência nas escolas, bem como ciclo de palestras e debates sobre a temática; procedimentos para controle de acesso de pessoas e veículos nas instituições de ensino; treinamento de servidores para conduta em situações de emergência; procedimentos e ações para contenção de situações de violência em curso; procedimentos para notificação às autoridades competentes em caso de crimes ou infrações em ambiente escolar; provimento de equipamentos (interfones e câmeras); educação pela Cultura de Paz; e agentes de segurança nas Unidades Escolares. Muitas das ações já se encontram em andamento nas unidades, como, por exemplo, os protocolos de controle de acesso e instalação de interfones/ câmeras”. Informações detalhadas sobre o plano de segurança podem ser obtidas no site da prefeitura de Iperó, através do link: https://ipero.sp.gov.br/plano-de-seguranca-das-instituicoes-de-ensino-da-rede-municipaldeipero

 

Polícia nas escolas

Para Milena, “embora a questão da violência escolar não se resolva exclusivamente com a presença de policiais, guardas municipais ou agentes de segurança escolar (razão pela qual a Administração constituiu comissão com representantes de diferentes órgãos e instituições para elenco de medidas preventivas e combativas à violência escolar), certamente, a presença desses agentes corrobora a redução de riscos da modalidade de violência em tela (ataques às escolas)”.

Ainda segundo esta fonte, a comissão iniciou, “sob a coordenação da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes, os estudos para sistematização do presente Plano de Segurança Escolar que tem por foco o apontamento de medidas preventivas e de combate à violência escolar, através da ratificação de ações exitosas já em prática pelo Poder Público, bem como da previsão de novas ações necessárias”.

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